A Misericórdia numa Casa de Misericórdia
No dia 13 de Março de 2015, o Papa Francisco anunciou um “Jubileu Extraordinário”, dedicado à “Misericórdia de Deus”, que estamos por estes tempos a viver. Até ao próximo dia 20 de Novembro, data na qual se encerrará a Porta Santa da Basílica de São Pedro, a Igreja celebra o 29º Jubileu da sua História. A “porta aberta” neste Ano Santo interpela os crentes a iniciarem um tempo extraordinário de conversão à luz da “Misericórida de Deus”.
Ao longo dos últimos meses, muitas têm sido as iniciativas da Igreja Católica para marcar este Ano Santo Extraordinário. São recordadas as obras “corporais” e “espirituais” de Misericórdia, umas que têm como fonte as próprias indicações de Jesus Cristo (corporais), outras resultantes da síntese da Igreja Católica tendo em conta os ensinamentos da Bíblia (espirituais).
Tendo por base a própria frase de Cristo – “Todas as vezes que fizestes isto a um dos Meus irmãos mais pequenos a Mim o fizeste” – é incontornável que a Misericórida de Deus se concretiza quando se dá de comer a quem tem fome, quando se dá de beber a quem tem sede, quando se vestem os nus, quando é dada pousada aos peregrinos, ou quando os enfermos e os presos são visitados e os mortos são enterrados.
Albergue dos que sofrem, o “Lar de Sant’ana – Matosinhos” é uma Casa de Misericórdia. Aqui, há quase um século, pessoas de Fé coordenam o trabalho daqueles que traduzem, no dia-a-dia, as obras de Misericórdia, em especial matando a fome e a sede aos pobres que a visitam, vestindo-os e, sobretudo, dando “albergue” à crescente parcela de pessoas que, conjugando a idade avançada, a saúde débil e as carências (económicas ou afectivas), constituem, cada vez mais e de forma explosiva, o grupo mais excluído da nossa sociedade: os idosos.
Sendo indiscutível que esta Instituição é uma inequívoca prova de Fé das pessoas de Matosinhos, e talvez a realização concreta mais antiga, mais resistente e consistente das obras de Misericórdia nesta Freguesia, importa perceber como pode o “Lar de Sant’ana – Matosinhos” viver de forma especial este Tempo Santo, para que o “Ano da Misericórdia” não seja um tempo oco, reduzido a palavras e construções teóricas e teológicas muito científicas, mas pouco aplicáveis na vida, conduzindo, como de forma provocatória lembrou o Frei Bento Domingues (Público, 14 de Fevereiro), a um cenário onde “Tanta Misericórdia Já Aborrece”.
Socorrendo-nos de uma qualidade que uma Casa como esta tem ou deverá ter, a simplicidade, deixamos uma definição de “Misericórdia”: trazer no coração as misérias dos outros que servimos. E um desafio. Que bom seria que, nesta Casa de Misericórdia, este Ano Santo fosse vivido pelos seus colaboradores com uma postura de verdadeiro serviço a quem sofre, onde a par do profissionalismo exista um coração atento e aberto às misérias daqueles que temos por Missão servir. A quem vive na casa, a quem ajuda a Instituição, a quem verdadeiramente gosta dela, o mesmo desafio: servi-la com o foco em quem sofre, acolhendo no coração as Misérias de todos aqueles que por cá passam ou por cá vivem.
Neste Jubileu da Misericórdia, a Casa é interpelada a ser cada vez mais um LAR, onde vivem todos os dias pessoas que verdadeiramente se preocupam umas com as outras, e menos uma Instituição onde se prestam “serviços”. É este o desafio que temos neste Ano Santo para fazer com que esta Casa de Misericórdia testemunhe, cada vez mais, a verdadeira Misericórdia de Deus.
António Pedro Correia